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sexta-feira, 11 de março de 2011

Gabriel Chalita, o pobrezinho

Permitam-me os leitores desviar um pouco o foco dos assuntos comarcanos e locais para a publicação de um texto da lavra do jornalista Reinaldo Azevedo, de Veja, retirado de seu blog hospedado na referida revista.  Abaixo seguem meus breves comentários.

Até 2ª feira!

Cada vez se aposta mais tempo e dinheiro na infantilização — e eventual idiotização — do público. Não é só no Brasil, não! A coisa se dá em escala mundial. O retorno do investimento é garantido. A Internet, que está aí, ao alcance de bilhões, poderia ser uma aliada importante para confrontar fatos com versões — ou, ainda, versões com versões. Mas um fenômeno interessante se verifica: como está tudo disponível, sem hierarquia, verdades e mentiras parecem se igualar. Os políticos, por exemplo, podem dizer o que lhes der na telha, ainda que já tenham afirmado o contrário. E daí? Por que esta pequena introdução?
Leitores me enviam o link com uma reportagem do jornal Valor Econômico sobre o deputado Gabriel Chalita (PSB-SP), já tratado como pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. Não é que este neo-socialista, neolulista e neodilmista decidiu, acreditem!, colar a sua biografia à de Lula? Isto mesmo: o mais novo investimento de Chalita é uma infância sofrida com um pai analfabeto!
O Valor acompanhou uma palestra sua para 400 estudantes da Universidade de Mogi das Cruzes. O primeiro parágrafo já dá conta do que vamos experimentar. Leiam:

“Todo mundo já se sentiu um dia como um patinho feio”. O deputado federal Gabriel Chalita (PSB-SP), o segundo mais votado do Estado, estava diante de uma extasiada platéia de 400 estudantes na Universidade de Mogi das Cruzes quando decidiu falar da freira que mudou sua vida. Ele tentava obter seu primeiro mestrado e se deparou com um orientador que desqualificou seu texto e acabou rasgando-o. Arrasado, foi resgatado por uma freira nos corredores da Pontifícia Universidade Católica (PUC), em São Paulo, onde estudava. Ele reformulou o trabalho e obteve o título de mestre.

Uau! Quem conhece um pouquinho a área há de se perguntar se o orientador do segundo trabalho era o mesmo do primeiro. Há três alternativas aí: sendo o mesmo, Chalita foi da idiotice à razão entre um trabalho e outro, e a histeria do mestre foi providencial; sendo outro, ou idiota era o que rasgou ou o que aceitou o trabalho. Em qualquer caso, o orientador histérico estava tendo, provavelmente, uma premonição… A história é verdadeira? Quem há de saber? O deputado estava em uma daquelas palestras em que ministra pílulas de sabedoria filosófica com auto-ajuda. É um Paulo Coelho para gente que acha que Paulo Coelho não é leitura sofisticada…
E Chalita foi avançando com suas parábolas, aquele procedimento que consiste em contar “causos” para que a audiência extraia a moral da história. Nada muito hermético, ainda que isso fosse possível, para não espantar o público. À medida que as ambições de Chalita crescem, ele vai ficando, retroativamente, mais pobre e mais sofrido. Querem ver? Escreve o Valor:

De posse do microfone, Chalita prefere usar exemplos de sua vida pessoal para se aproximar dos estudantes. “Fui o primeiro a ter diploma universitário na minha família. Meu pai era analfabeto, foi servente e feirante. Imagino tudo o que passou. Quando a gente olha para as nossas raízes tem que se orgulhar”, comenta.
Pai analfabeto, servente e feirante? Na edição nº 333 da revista IstoÉ Gente, podemos ler:

Esse Gabriel não pára!!!”. Era esse o desabafo mais comum da mãe para o pai de Gabriel Chalita, um menino que tinha lá uma bicicletinha e com a qual rodava toda Cachoeira Paulista (SP). Aos 5, 6 anos, sossegava um pouco vendendo linha sentado na calçada da loja do pai. Pouco depois, passou a freqüentar campo de futebol para vender geladinho. Falante e brincalhão - mesmo ainda hoje, aos 36 anos -, o programa predileto de Gabriel era visitar o asilo da Santa Casa de Cachoeira. Lá, conheceu uma professora aposentada, dona Ermelinda, que lhe emprestou os primeiros “livros difíceis”. Tinha oito anos e devorava Clarice Lispector, Sartre, Monteiro Lobato. “Gostou? Entendeu?”, perguntava dona Ermelinda, sempre que o menino retornava. “Não entendi nada, mas adorei”, respondia ele.
Cinco ou seis anos depois dessa reportagem, o “dono de loja” — analfabeto? — desapareceu da história. A Dona Ermelinda, coitada!, não era só velha e abandonada! Também era doida e desalmada! Dava Sartre para um garoto de oito anos! Chalita adorava o que não entendia, entendem? O garoto prometia! O menino pobre, na palestra de Mogi das Cruzes, era esmagado por uma família insensível à sua queda pela especulação intelectual. Se eu estivesse presente, não teria contido as lágrimas neste trecho:

Mais alguns minutos se passam e Chalita conta outra história para amolecer os corações. Sua trajetória como escritor e autor de meia centena de publicações começou dentro de um asilo, aos 12 anos, por incentivo de uma das moradoras do local, dona Ermelinda. “Ela corrigia todos os textos que eu escrevia. Em casa minha mãe não me deixava ler, porque achava que iria estragar a “vista”. Ia para o asilo e ficava enfiado lá”.
Na revista IstoÉ Gente, quando ele ainda não pensava em ser prefeito, a família era uma pouco mais amiga das letras:

“O sonho de meu pai era ter um filho com diploma, qualquer um, porque ele não pôde estudar”, conta Gabriel. Ele realizou o desejo do pai ao se formar em Filosofia - completou ainda o curso de Direito - e contrariou o da mãe, que queria vê-lo médico.”
Como se vê, nada acima faz lembrar aquele garoto sofrido que ia ler Sartre à socapa na idade em que os garotos costumam fumar escondido, na melhor, ou pior…, das hipóteses.
Lendo o texto do Valor, a gente nota que Chalita era mesmo pobrezinho de dar dó, com seu pai servente, analfabeto, feirante… Pois é. A Folha de S. Paulo de 7 de junho de 2004 trazia as seguintes notas da colunista Monica Bérgamo:
“DOCE LAR 1

Gabriel Chalita (…) está de casa nova. Ele comprou um deslumbrante dúplex, de 1.500 m2, numa das esquinas mais charmosas de São Paulo, a da rua Rio de Janeiro com a avenida Higienópolis. A cobertura tem até uma piscina e uma das vistas mais lindas da cidade.

O imóvel custa mais de R$ 4,5 milhões. O secretário diz que negociou o preço e deu imóveis que recebeu de herança como parte da negociação.
DOCE LAR 2

Chalita diz que tem uma coleção de 15 mil publicações que vai levar para o lugar.”
Herança? Do servente analfabeto? Ou este é também mais um milagre da dona Ermelinda, aquela que levou Chalita a ler “A Infância de Um Chefe” pouco depois de abandonar a chupeta?
O neo-esquerdista Gabriel Chalita se candidate ao cargo que bem entender. Se foi o segundo deputado mais votado de São Paulo — só perdeu para Tiririca —, há certamente quem goste de sua prosa e de sua poesia. O que condeno aqui, e esta é uma questão de interesse público quando se trata de um homem público, é essa prática de ficar reescrevendo o passado para conseguir do eleitor um passaporte para o futuro.

De resto, ainda que fosse verdade que ele foi pobre de chorar, seria um absurdo responsabilizar a sua origem social por ele ser quem é. A pobreza não desculpa ninguém!

Por Reinaldo Azevedo
 
Comento:  Há algum tempo atrás, durante mestrado (nunca terminado) que cursava em Direito na UFRN, deparei-me com um dos vários livros do prolífero escritor Gabriel Chalita.  Impressionado pela produção do rapaz, peguei o de título "Ética dos Governantes e dos Governados" para ler.  Nunca vi tanta baboseira junta para quem pretendesse falar sobre tão caro tema.  É de fazer Aristóteles, o estagirita, estremecer no túmulo.  Passados todos esses anos (a desagradável leitura foi em 2003), pensei estar sozinho no meu pensamento quanto à farsa em que pode se transformar o ser humano quando usa do enfadonho artifício do bom-mocismo para se auto-promover (seja na literatura, política, academia, etc.).  O texto de Reinaldo Azevedo vai fundo na tentativa de desmascarar Chalita.  O que soa oportuno, posto que o carnaval já se foi.  Há muitos outros "mocinhos" por aí, com belos discursos e escusas intenções.  Nossa missão é desmascará-los também.