Resolvi postar essa nota em razão de algumas dúvidas que me chegaram. As leis no Brasil são mais conhecidas por seu nome do que por seu conteúdo. Todo mundo ouve falar da denominação "Ficha Limpa", no entanto não se tem noção do que dispõe a nova lei.
Para início de conversa, a Lei do Ficha Limpa é uma Lei Complementar (LC nº 135/2010), e partiu de projeto de iniciativa popular que tramitou perante as duas casas legislativas (Câmara de Deputado e Senado), sendo aprovada, sancionada pelo Presidente da República e publicada no Diário Oficial da União de 7 de junho deste ano.
Referida lei alterou dispositivos da chamada "Lei das Inelegibilidades" (LC nº 64/1990), e, dentre os seus vários dispositivos, quíçá o mais importante seja o que prevê a impossibilidade de candidatura daqueles que tenham sido condenados, por decisão transitada em julgado (isto é, qualquer decisão da qual não se tenha recorrido ou que não caiba mais recurso) ou por órgão colegiado (um Tribunal de Justiça, por exemplo, e, aqui, não se precisará que tenha transitado em julgado), nos termos seguintes:
Trecho da Lei da Ficha Limpa:
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
3. contra o meio ambiente e a saúde pública;
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
8. de redução à condição análoga à de escravo;
9. contra a vida e a dignidade sexual; e
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;
Mesmo com a publicação da lei, algumas questões ficaram pendentes.
A primeira delas: valeria referida lei já para as eleições deste ano? Quanto a essa pergunta, o TSE agiu rápido e, em consulta que lhe foi formulada, respondeu que SIM, a lei já tem validade para as eleições deste ano.
A segunda pergunta: os políticos com condenações anteriores à lei poderão ser por ela atingidos? O questionamento partiu de alteração promovida no texto do projeto de lei quando tramitava pelo Senado, ocasião em que se procedeu com a retirada da expres, são "tenham sido condenados" por "forem condenados", essa última a expressão que prevaleceu. Quanto a esse questionamento ainda não houve manifestação por parte do TSE; o tema é polêmico, todavia merece muita atenção, para não criar situações embaraçosas de se permitir que determinado candidato, cheio de condenações, possa driblar o alcance ético que se quis impingir com a nova lei a partir de uma chicana interpretativa da lei. Para mim, a resposta a essa questão deveria ser SIM.
E, por fim, uma última questão, essa mais aprofundada e que não será tão cedo resolvida, pois dependerá de decisão do STF: a Lei do Ficha Limpa, ao impor como causa de inelegibilidade condenação sem trânsito em julgado, não estaria ferindo o princípio constitucional de presunção de inocência? Ao ver deste magistrado, a resposta deveria ser NÃO, pois o princípio da presunção de inocência deveria servir apenas para fins penais, não podendo alcançar as condições de inelegibilidade, que relacionam-se muito de perto com as condições morais exigidas para determinada pessoa exercer uma função pública.
Eis, em apertada síntese, o que é a Lei do Ficha Limpa, sua extensão e as implicações e problemas decorrentes de sua aplicação.