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sábado, 18 de setembro de 2010

SEM REI NEM LEI

Li esse artigo na Tribuna do Norte, edição de ontem.  É do professor Ivan Maciel, que sempre nos brinda com inteligentíssimos textos.

"Sem rei nem lei"

Por Ivan Maciel de Andrade - Advogado

Um amigo que chegou recentemente de Portugal me contou a seguinte história. Estava numa livraria em Lisboa e um português de cavanhaque, com ar de Mefistófeles, resolveu provocá-lo. Perguntou bem alto: “Quer dizer que o senhor é da terra em que não há rei nem lei”. Meu amigo disse que realmente nós não tínhamos rei desde que D. João VI regressara em 1821 para Portugal, D. Pedro I fizera o mesmo em 1831 e finalmente D. Pedro II fora também convidado a voltar à Europa com a proclamação da República em 1889. Mas lei nós tínhamos. Então, Mefistófeles revelou a razão de seu ressentimento: o pai morrera no Rio de Janeiro e há vários anos rolava um processo de inventário e partilha dos bens deixados por seu querido genitor, sem perspectiva alguma de que terminasse, para que ele, como herdeiro único, com dupla nacionalidade, se investisse no “quinhão hereditário”. Meu amigo lamentou o infortúnio do português e lhe assegurou que, ao contrário do que ele poderia pensar, com base naquele episódio – fruto da complexidade dos procedimentos judiciais –, as leis no Brasil são de cumprimento muito rigoroso. O exemplo mais convincente era dado pelo presidente da República: diante dos escândalos de quebra do sigilo fiscal de familiares do candidato de oposição à presidência, agira com exemplar energia junto ao Fisco e à Polícia Federal para apurar a responsabilidade por bandidagens com nítido objetivo político. Somente Lula – com seus escrúpulos republicanos e democráticos à flor da pele – poderia conduzir-se de forma tão correta e imparcial.

O português mefistofélico pôs em dúvida tais informações: “Oh, mas o que os jornais de lá, da terrinha brasileira, dizem é o contrário do que tu me informas”. Meu amigo se espantou: “É mesmo? Deve ser alguma edição especial preparada pelo PSDB para circular em Portugal”. Nisso, uma jovem vendedora interveio: “Não me enganas. Queres fazer zombaria com o presidente Lula, porque ele não tomou qualquer providência e ainda tachou as reclamações da oposição de ‘baixaria’”. A vendedora era uma portuguesa que se alguns intelectuais natalenses a vissem comprariam toda a coleção de Camilo Castelo Branco, em não sei quantos volumes belamente encadernados, que estava em exposição na vitrine e custava os olhos da cara. A portuguesinha foi perguntada se por acaso já ouvira falar em Dilma Rouseff. Ela sabia, sim, que era a candidata inventada por Lula para sucedê-lo.

Meu amigo contou, então, à portuguesinha, que diziam que Dilma era mais autoritária do que Salazar. A portuguesa surpreendeu-se: “Quer dizer que ela tem tendências fascistas?”. Meu amigo explicou que era um autoritarismo salazarista, mas no estilo do Grande Irmão Stalin. Bem, isso era o que se comentava. Podia ser até que ela fosse uma pessoa muito boazinha, inimiga do mensalão e de outras corrupções (nas quais o povão acha muita graça, porque imagina, não sei por quais motivos, que todo político é corrupto e, portanto, tanto faz como fez) descobertas no governo Lula. Nessas vésperas de eleições, a imprensa tem divulgado histórias escabrosas envolvendo figuras que comandam a liberação de verbas públicas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por conta desse trabalho investigativo, que tanto incomoda o PT, o jornalista Franklin Martins, Ministro da Comunicação Social, se tornou incansável defensor do controle da mídia. Meu amigo se lembrava de Dilma no tempo em que ela era correligionária de Leonel Brizola e, de repente, deixou o PDT para aderir ao PT. Fora quando o implacável Brizola, um político “sem papas na língua”, a acusara de carreirista e de ter como única ideologia a desenfreada ambição por elevados cargos públicos.

Ao final, meu amigo corrigiu-se: dissera ao português mefistofélico que o Brasil não tem rei. Mas tem, sim: Lula é o nosso rei. Basta conseguir viabilizar o seu projeto de perpetuação no poder por mais alguns anos (vinte?) – Dilma, dois mandatos, depois Lula, mais dois mandatos – que ele fundará uma verdadeira dinastia. Uma briosa e aguerrida dinastia petista. Aliás, muito pouco tolerante com os adversários. Tendo como ideólogos os estrategistas ficha limpa José Dirceu e Antônio Palocci...