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domingo, 29 de agosto de 2010

Mais do "MESMO"...

Quem nunca viu escrita a expressão "o mesmo" ou "a mesma"?  Desde o meu tempo de estagiário, quando folheava com afinco, lia e relia páginas e mais páginas de processos (com o tempo a experiência vai nos mostrando que nem tudo precisa ser lido, ou que nem tudo merece ser lido), geralmente processos penais, cuja maior parte vinha oriunda das delegacias de polícia, "o mesmo" (subentenda-se aqui também "a mesma", ok?) era (e ainda continua sendo) elemento sempre presente nas frases, como forma desejosamente intencionada pelo redator ou escrivão de tornar mais formal e polido o texto, em substituição ao sujeito da frase enunciado anteriormente, a fim de se eliminar (da pior maneira possível) qualquer redundância.  Aqui vai uma dica para quem vive de redigir, ou que precisa redigir algum texto por ocasião de entrevista de emprego, concurso público ou algo que o valha:  EVITE AO MÁXIMO SUBSTITUIR O SUJEITO DA FRASE PELA EXPRESSÃO "O MESMO"!  Redigi em caixa alta para chamar a atenção, porque isso merece.  Por uma questão de estilo e até para não se demonstrar, explicitamente, sua falta de vocabulário e de afinidade com nossa belíssima, porém diuturnamente agredida língua portuguesa, procure evitar o uso do "mesmo".  Vai abaixo texto que encontrei na internet, e que bem explica o problema:

26/08/2010  às 16:30 \ Consultório

‘Mulher, frite os mesmos!’

“‘ANTES DE ENTRAR NO ELEVADOR, VERIFIQUE SE MESMO ENCONTRA-SE PARADO NO ANDAR.’ Trago-lhe uma questão e apreciaria muito que ela fosse comentada por você. É sobre essa nossa palavra ‘mesmo’. É impressão minha ou ela vem sendo um dos mais corriqueiros buracos do erro que alguém em companhia da língua portuguesa pode cair? Estou quase repudiando essa palavra, tal é o efeito que me causa vê-la ser usada de modo tão abusado e imprudente. Creio que pessoas que a empregam assim, desavisadamente, fazem-no por achar que esse ‘mesmo’ dá, como num passe de mágica, um tom mais formal ao texto. Como sou apenas um iniciante na arte do bem escrever, passo-lhe esse abacaxi. (Ricardo Fellman)

A consulta de Ricardo Fellman nos joga no departamento das dicas de estilo, também chamado de etiqueta da língua, onde se compra e se vende muita mercadoria de valor duvidoso, com opiniões baseadas em questões de gosto tentando se passar por leis pétreas. Mesmo assim, a consulta é bem-vinda, por lançar o foco sobre um caso especial de cafonice que deve ser evitado a qualquer custo por quem queira escrever (pois ninguém fala assim) com um mínimo de limpeza e elegância.

Reconheça-se logo que não há nada de gramaticalmente errado na frase citada por Fellman, consagrada em incontáveis condomínios espalhados pelo país. O que não a impede de soar ao mesmo tempo pomposa, obtusa e, o que talvez seja pior, metida a mais correta que o resto da humanidade – afinal, transforma num grande espetáculo o fato de estar evitando aquele que costuma ser considerado um crime terrível contra o estilo, a redundância.

No fundo, trata-se apenas de uma construção ruim, que poderia ser remodelada com vantagem de pelo menos duas formas (note-se que aproveitei para me livrar também do “encontra-se”, outro elemento pomposo, embora não seja nosso tema aqui):

“Antes de entrar, verifique se o elevador está parado no andar.”

“Antes de entrar no elevador, verifique se ele está parado no andar.”

Nada disso significa condenar indiscriminadamente a palavra “mesmo”, que tem variados e indispensáveis empregos como adjetivo, pronome, substantivo e advérbio. Basta ficar atento para não fazer dela uma muleta contra todas as redundâncias do mundo. Uma coisa é dizer: “Quando entrou na casa amarela, viu que a cor das paredes internas era a mesma”. Veja-se agora esta frase: “Quando entrou na casa, descobriu que a mesma era amarela também por dentro”. Na primeira, “a mesma” traz uma informação. Na segunda, apenas usurpa o lugar da simplicidade de “ela”.

A melhor piada sobre o vício pernóstico do “mesmo” está no romance “O ponto da partida”, lançado há dois anos pelo escritor carioca Fernando Molica. O personagem João Carniça – um repórter de polícia à moda antiga, bom de apuração mas péssimo de texto – está tão paranoico com as redundâncias que andaram lhe apontando em suas matérias que se sai com o seguinte achado: “O pescador entrou na cozinha com os peixes nas mãos e disse para a esposa: – Mulher, frite os mesmos!”

Sempre que bater a vontade de escrever algo canhestro como “presenteou a mãe e beijou a mesma”, é só pensar em João Carniça que passa.

(Fonte:  http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/ acesso em 29 ago 2010).